21 Nov

Alguns biomas brasileiros, como o Cerrado, caracterizados por dominância de gramíneas, coevoluíram com a presença do fogo. Ecologicamente estes ambientes são considerados pirofíticos pois, de modo geral, o fogo beneficia plantas e animais que apresentam diversas adaptações e sinergias com ele, além de ajudar a manter os processos ecológicos. Portanto, o fogo pode ser bom ou ruim, a depender do que chamamos de regime do fogo, ou seja, o tipo de fogo (superfície, solo ou copa), sua época de ocorrência (chuvosa ou seca), a frequência, a intensidade (temperatura) e extensão.

Diversos estudos demonstram que o fogo está presente nos cerrados a mais de 30mil anos, antes mesmo dos humanos. Inicialmente originava-se de quedas de raios na vegetação, posteriormente os humanos o dominaram, alteraram seu regime natural, e o utilizaram muitas vezes de forma indiscriminada e sem controle, causando os incêndios florestais que temos vivido. Os povos que habitam o Cerrado aprenderam que o fogo faz parte dos seus processos ecológicos e manejam o bioma com fogo durante muito tempo, moldando a paisagem e a biodiversidade que conhecemos hoje. 

Entretanto, o restante da população não compreendem o papel do fogo em alguns ecossistemas e pensam que ele é responsável somente pela destruição da natureza, sem compreender o seu papel ecológico. A partir do final do Século XX, a crescente preocupação com o planeta fez com que fosse implementada uma das políticas públicas mais equivocadas em relação à conservação ambiental, a eliminação completa do fogo dos ecossistemas dependentes dele, ou seja, que evoluíram com a sua presença. 

Quase todas as Unidades de Conservação da Natureza do Cerrado foram submetidas a regimes de exclusão total do fogo. Mesmo aquelas que utilizavam o fogo por meio de queimas controladas ou aceiros negros, como era o caso do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros e de Emas, aqui no estado de Goiás, consideravam o uso do fogo como um mal necessário, isto é, era sacrificar uma pequena área para proteger o resto. 

A partir de 2001, a contratação de brigadistas aumentou muito a eficiência dos órgãos ambientais que protegiam essas áreas. Esses brigadistas eram moradores locais, que conheciam e região, as comunidades e o fogo no Cerrado. Por isso, conseguiram implementar muito mais eficientemente as ações de manejo, desde a prevenção até o combate aos incêndios. Como resultado, houve uma redução drástica da área queimada nos primeiros anos. Entretanto, nos anos seguintes começaram a ocorrer grandes incêndios florestais, muito mais destrutivos, devido ao acúmulo de combustível florestal. Este problema já era conhecido em outras regiões do mundo que também possuíam ecossistemas altamente inflamáveis e dependentes do fogo, como alguns países da África, a Austrália e os Estados Unidos. Era chamado de “Paradoxo da Prevenção” pois, quanto mais se protegia uma área do fogo, mais intensos e destrutivos eram os incêndios nos anos seguintes. 

Dessa forma, as estratégias de proteção do Cerrado, baseadas em “fogo zero”, resultaram em incêndios florestais catastróficos, com prejuízos ambientais, econômicos e sociais. Essas políticas só começaram a mudar a partir de 2006, com a integração entre o conhecimento científico e o conhecimento tradicional dos povos que viviam no Cerrado. Essa junção entre as técnicas de proteção utilizadas no mundo inteiro com a ecologia e a sociedade ficou conhecida como Manejo Integrado do Fogo, ou MIF, e revolucionou a proteção do Cerrado no Brasil. 


Autor: Rodrigo de Moraes Falleiro  

Revisores: Christian Berlinck, Lara Steil e Marcelo Santana

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